Um terço dos casos de tuberculose ocorridos na cidade do Rio de Janeiro entre 2002 e 2003 foi causado por cepas de Mycobacterium tuberculosis que apresentam um genótipo particular e que podem ter virulência diferente do normal. A descoberta foi feita por um recente estudo realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Durante a pesquisa, identificou-se uma "família" de linhagens do bacilo, chamada RDRio, tendo em comum a perda de uma grande fração do DNA de uma bactéria ancestral, num processo chamado deleção. Esta é a maior deleção já encontrada entre as variedades de M. tuberculosis no mundo que pode ter conseqüências para a transmissão e o combate à doença, que ainda estão sendo estudadas. Apesar dos dados analisados serem referentes a 2002 e 2003, os pesquisadores acreditam que a proporção de casos causados pela cepa se mantém estável.
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Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a tuberculose registra cerca de 9 mil casos anuais no Rio de Janeiro. A principal causadora da doença é a bactéria M. tuberculosis, que tem suas linhagens diferenciadas por pequenas alterações do DNA. Tais modificações podem ocorrer através de inserções, inversões, duplicações e vários outros eventos genéticos. A variedade RDRio, encontrada pelos pesquisadores, tem sua origem numa recombinação homóloga, que gerou uma deleção única, com a perda de cerca de 0,5% de todo seu genoma.
"Já foram encontradas linhagens com outras deleções prevalentes em outras regiões do mundo, por exemplo, na África do Sul, mas nunca apresentando uma deleção ou uma prevalência deste tamanho", explica o pesquisador Philip Suffys, do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada a Microbactérias do IOC, responsável por parte da caracterização deste genótipo no Brasil. "Essas diferenciações acontecem por acaso, mas sua sobrevivência até hoje e sua expressividade indicam que a perda deste pedaço considerável de material genético lhe dá alguma vantagem competitiva", diz ele.
Suffys afirma que ainda é cedo para saber detalhes sobre a virulência, disseminação ou sintomas causados por este genótipo. Porém, explica que o estudo, publicado na edição de dezembro da revista Journal of Clinical Microbiology, apontou que entre os genes pertencentes à deleção havia dois do tipo conhecido como "PPE" (Proline-Proline-Glutamic acid), além de outros com função metabólica ou ainda desconhecida. "Os genes PPE são geralmente associados com variabilidade na apresentação de antígenos durante a resposta imune", conta Suffys. "A ausência destes genes poderia tornar estas cepas menos visíveis por nosso sistema de defesa".
Presença da bactéria no território brasileiro pode ser maior
O pesquisador considera que mais testes são necessários para que se determinem as diferenças que essa deleção pode trazer para a bactéria. "Ainda estamos na fase inicial das testagens, não há dados conclusivos para sabermos se sua virulência foi alterada", explica.
Apesar do grande número de casos relacionados à infecção por este genótipo de M. tuberculosis no Rio de Janeiro, Suffys afirma que sua origem e distribuição ainda precisam ser esclarecidas. Ela faz parte de um grupo de linhagens de M. tuberculosis denominado Latin American Mediteranean (LAM), muito comum em outras partes do Brasil e do mundo. "Apesar de ser denominada RDRio, é possível que ela apareça em outros pontos do território brasileiro, onde talvez seja ainda mais disseminada do que no Rio de Janeiro", o especialista pondera. "Outras linhagens desse grupo já foram observadas dentro e fora do Brasil e temos evidências preliminares de que o mesmo ocorre nesse caso".
Caso essa previsão se confirme, de acordo com o pesquisador, será necessário ter mais atenção quanto à utilização de novas formas de diagnóstico da tuberculose. Suffys explica que, nesse caso, será preciso tomar cuidado para que eles não sejam baseados em informações contidas em trechos de DNA que façam parte da deleção da linhagem RDRio. "Essa deleção supostamente não terá muita influência em relação à imunização, pois acredita-se que a vacina BCG não funciona somente à base de um pedacinho do DNA, mas estimula o sistema imune utilizando parte considerável do genoma", explica o pesquisador. "O que poderia ser mais importante é uma virulência maior da cepa RDRio o que levanta a hipótese de tornar a vacinação menos eficiente ou causar uma doença de forma clínica mais agressiva", conclui.
Abandono do tratamento é amplo e preocupa
A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa, causada pela bactéria M. tuberculosis, que atinge principalmente o pulmão, mas pode afetar outros órgãos, como rins e meninges. Ela é transmitida de forma direta, de pessoa para pessoa, através do ar ou de objetos contaminados. Os principais sintomas, que no inicio podem ser fracos e dificultar o diagnóstico, são tosse persistente, com ou sem catarro, febre, principalmente à tarde, sudorese noturna, falta de apetite e emagrecimento. O diagnóstico é feito através do exame do escarro e de raio-x do tórax do paciente. Apesar de ser 100% curável se tratada no início, o índice de abandono do tratamento, realizado com antibióticos, é grande, por ser um processo longo, em que os sintomas regridem logo nos primeiros meses. Por isso, é importante que os pacientes procurem ajuda médico logo e só parem o tratamento após a liberação do médico. A vacina BCG, que deve ser aplicada ao nascer e protege, principalmente, contra formas mais graves da doença. O Brasil ocupa hoje, segundo a Organização Mundial da Saúde, a 15ª posição entre os 22 países com maior numero de casos de TB no mundo.
Fonte: Portal Fiocruz
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